sexta-feira, 27 de maio de 2011

Armando, Pedro e a reserva de vagas

Caros amigos e amigas,



É lamentável, mas a reserva de vagas para pessoas com deficiência em

concursos públicos, estabelecida na legislação brasileira desde a década

de 90, ainda é vista como favor por grande parte da sociedade e,

inclusive, pelos empregadores públicos. Tal medida, entretanto, é

perfeitamente compatível com o princípio da igualdade, que prevê

tratamento diferenciado a quem tem um diferenciado grau de dificuldades.



Sempre que ouço manifestações de menosprezo a quem entra no serviço

público pela reserva de vagas, ou mesmo por outros segmentos da

sociedade, como os cotistas de universidades, penso na carga de

incompreensão e ignorância que está arraigada nesse tipo de

entendimento. E como a luta pelo esclarecimento é dura e demorada (Lulu

Santos descreveria com precisão a situação: a passos de formiga e muito

sem vontade), vejamos uma historinha que pode ilustrar o assunto.



Em um belo dia o jovem Armando, deficiente visual, universitário, que

trabalha em uma empresa da iniciativa privada, recebe a notícia da

publicação de um edital para o concurso de analista da receita federal.

Como falta pouco para sua formatura, resolve prestar o concurso. Depois

da decisão, comenta com seu colega de trabalho, Pedro, que também é

universitário, mas não tem deficiência alguma. Pedro também decide

realizar as provas. Antes do almoço daquele dia, ambos verificam os

conteúdos cobrados no certame.



Na hora do intervalo, que é longo o suficiente para um almoço calmo, com

sobra de alguns minutos para relaxamento, Pedro dirige-se à biblioteca

da universidade na qual estuda, que fica próximo do seu trabalho. Lá,

tem a possibilidade de escolher, imediatamente, pelo menos cinco livros

das matérias em que mais tem dificuldade: direito administrativo,

direito constitucional e raciocínio lógico. Sai com seus livros embaixo

do braço e, no final da tarde, dentro do ônibus que o leva para casa, já

começa seus estudos rumo ao cargo pretendido.



Armando não tem a mesma sorte. Também tem acesso à biblioteca da

universidade e pode pegar os mesmos livros que Pedro, mas não conseguirá

lê-los, por ser cego. A sua escolha, tem três opções: pedir para um

amigo gentil que digitalize seus livros, para que possa lê-los no

computador, pagar por esse serviço para alguém disposto a fazê-lo ou

digitalizar por conta própria todo o material. Em todos os casos, para

que Armando consiga ler o primeiro dos livros, precisará esperar, no

mínimo, cinco dias.



Passam-se os cinco dias e Pedro, de boa fé, vem comentar um tópico de

direito administrativo com Armando, que, desapontado, precisa explicar

que ainda não começou a ler nenhuma linha dos seus materiais. E que o

primeiro livro a ficar pronto, por ser o menor, será o de raciocínio

lógico, não o de direito administrativo.



Na semana derradeira antes das provas, Pedro terá lido e revisado todo o

seu material, e Armando ainda estará esperando os últimos capítulos que

necessita. Além daqueles livros da biblioteca da universidade, Pedro

comprou diversos outros, tirou cópias de livros emprestados por colegas

e, nos tópicos de maior dificuldade, pesquisou em múltiplas fontes para

fixar o conteúdo. Nem que Armando quisesse, conseguiria fazer o mesmo.



Ambos prestam as provas e ambos passam. Armando, pela reserva de vagas,

fez 65% do total das questões da prova; Pedro acertou 80% e conseguiu

entrar pela concorrência ampla. No dia da prova, inclusive, Armando

precisou perder meia hora do seu tempo, porque suas provas escritas em

braille foram trocadas com as de outro candidato cego.



Considerando as condições completamente diferentes para Pedro e para

Armando, qual dos candidatos você acha que foi melhor no concurso? A

distância de pontos entre os colegas é proporcional à diferença de

possibilidades de estudos para um e para outro? Para que atingissem o

mesmo desempenho, Pedro e Armando não precisariam das mesmas condições?

Para que haja justiça, não é evidente que Armando precisa concorrer com

quem tem as mesmas condições que ele?



Essas perguntas e suas respostas ficam como reflexão. Armando e Pedro,

hoje, trabalham na Receita Federal; Pedro tem um cargo de chefia.

Armando trabalha tanto quanto Pedro, mexe nos mesmos sistemas do órgão e

atende contribuintes, mas seu chefe pensa que ele não pode assumir

cargos de confiança porque não tem condições de assinar documentos

públicos, embora isso não seja verdade.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Abaixo-assinado contra ato discriminatório no concurso do TJ-RS

Caros amigos e amigas,



Vamos divulgar o abaixo-assinado que decidimos elaborar (nós do grupo

Concurso Acessível) na tentativa de ajudar nossa colega concurseira

Cláudia, deficiente visual (cega) de Porto Alegre. O Tribunal de justiça

do Rio Grande do Sul cometeu um grande equívoco ao discriminá-la. As

explicações e embasamentos estão no texto de apresentação do

abaixo-assinado, colado a seguir. Ressalto, apenas, que é importante o

depoimento, principalmente relacionado a experiências profissionais

vividas por quem também tem uma deficiência. Precisamos mostrar ao TJ-RS

que o que precisamos no ambiente de trabalho é uma estrutura mínima,

constituída de computadores e softwares gratuitos (no caso da

deficiência visual). Não é possível, a não ser por ignorância, alegar

que esses recursos não são acessíveis a um órgão público como um

tribunal de justiça. A ignorância tem limites e se não existe disposição

em ultrapassá-la, precisamos forçar a travessia.



Entre no link a seguir, clique em "assinar o abaixo-assinado" e siga as

instruções do site. Você pode também verificar quem já assinou o

documento clicando no link "ver atuais assinaturas".



Link de assinatura do abaixo-assinado contra ato discriminatório no concurso do TJ-RS



Texto de apresentação do documento:



O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) eliminou do concurso

para oficial escrevente de 2010 a candidata aprovada Cláudia Simone

Kronbauer, cega, 30 anos, bacharel em direito pelo Instituto Cenecista de

Ensino Superior de Santo Ângelo, RS (2007). A alegação apresentada foi

que a deficiência da candidata é incompatível com as atribuições do

cargo, que são as seguintes, conforme edital:

"1.2.1 - Síntese dos Deveres

Executar tarefas inerentes a ofício do Foro Judicial, previstas em leis e regulamentos.

1.2.2 - Exemplos de Atribuições

- substituir o Escrivão, quando designado, desde que não haja Oficial Ajudante ou quando este estiver impedido;

- atuar nas audiências, digitando ou datilografando os respectivos termos;

- digitar ou datilografar sentenças, decisões e despachos;

- operar, nos ofícios em que esteja lotado, os terminais de computação de dados;

- auxiliar no atendimento ao público;

- auxiliar o Juiz, inclusive realizando pesquisas de jurisprudência e doutrina;

- secretariar o Juiz no impedimento do chefe do ofício;

- exercer outras atribuições compatíveis que lhe forem cometidas pelo Juiz ou pelo titular do ofício;

- exercer outras atribuições que, não definidas em lei, sejam especificadas em provimento da Corregedoria-Geral da

Justiça."

Considerando tratar-se de tarefas de natureza administrativa, para

as quais existem programas de informática plenamente acessíveis e que

possibilitam que um deficiente visual utilize de forma autônoma e com

bom desempenho o computador;

Considerando o que expressa a Lei 7.853/89, no seu artigo oitavo,

incisos II e III, abaixo expostos:

"Art. 8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa:

II - obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo

público, por motivos derivados de sua deficiência;

III - negar, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua

deficiência, emprego ou trabalho;";

Considerando que existem, atualmente, inúmeros deficientes visuais

trabalhando em atividades administrativas, técnicas e jurídicasdos mais diversos cargos e

órgãos públicos no Brasil, sendo que o exemplo mais eloqüente, dentro do

próprio poder judiciário, é o do desembargador DR. Ricardo Tadeu Marques

da Fonseca, do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-9), também

cego e que atua com autonomia na sua função;

Considerando, portanto, que os argumentos apresentados pelo TJ-RS

não constituem uma justa causa para a negação do ingresso no cargo por

parte da candidata;

Nós, deficientes participantes do grupo Concurso Acessível, presente na internet

com o objetivo de auxiliar concurseiros com deficiência em todas as

fases dos concursos públicos, além de pessoas em geral que discordam da

decisão do TJ-RS, abaixo-assinados, repudiamos a atitude desse órgão,

pedimos reconsideração da decisão e deixamos a seguir nossos depoimentos

como testemunhos do equívoco e da injustiça cometida.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999

Artigos relacionados ao tema trabalho, concursos públicos e pessoas com

deficiência, retirados do Decreto Nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999.



Clique aqui para acessar o texto do Decreto 3.298 na íntegra.





"[...]



Art. 2 o Cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar à

pessoa portadora de deficiência o pleno exercício de seus direitos

básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao

desporto, ao turismo, ao lazer, à previdência social, à assistência

social, ao transporte, à edificação pública, à habitação, à cultura, ao

amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da

Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e

econômico.



[...]



Art. 6 o São diretrizes da Política Nacional para a Integração da Pessoa

Portadora de Deficiência:



I - estabelecer mecanismos que acelerem e favoreçam a inclusão social da

pessoa portadora de deficiência;



[...]



III - incluir a pessoa portadora de deficiência, respeitadas as suas

peculiaridades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas à

educação, à saúde, ao trabalho, à edificação pública, à previdência

social, à assistência social, ao transporte, à habitação, à cultura, ao

esporte e ao lazer;



[...]



V - ampliar as alternativas de inserção econômica da pessoa portadora de

deficiência, proporcionando a ela qualificação profissional e

incorporação no mercado de trabalho; e



VI - garantir o efetivo atendimento das necessidades da pessoa portadora

de deficiência, sem o cunho assistencialista.



[...]



Art. 8 o São instrumentos da Política Nacional para a Integração da

Pessoa Portadora de Deficiência:



[...]



III - a aplicação da legislação específica que disciplina a reserva de

mercado de trabalho, em favor da pessoa portadora de deficiência, nos

órgãos e nas entidades públicos e privados;



[...]



Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de

se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os

demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam

compatíveis com a deficiência de que é portador.



§ 1 o O candidato portador de deficiência, em razão da necessária

igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no

mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.



§ 2 o Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior

resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro

número inteiro subseqüente.



Art. 38. Não se aplica o disposto no artigo anterior nos casos de

provimento de:



I - cargo em comissão ou função de confiança, de livre nomeação e

exoneração; e



II - cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão

plena do candidato.



Art. 39. Os editais de concursos públicos deverão conter:



I - o número de vagas existentes, bem como o total correspondente à

reserva destinada à pessoa portadora de deficiência;



II - as atribuições e tarefas essenciais dos cargos;



III - previsão de adaptação das provas, do curso de formação e do

estágio probatório, conforme a deficiência do candidato; e



IV - exigência de apresentação, pelo candidato portador de deficiência,

no ato da inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou

nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente

da Classificação Internacional de Doença - CID, bem como a provável

causa da deficiência.



Art. 40. É vedado à autoridade competente obstar a inscrição de pessoa

portadora de deficiência em concurso público para ingresso em carreira

da Administração Pública Federal direta e indireta.



§ 1 o No ato da inscrição, o candidato portador de deficiência que

necessite de tratamento diferenciado nos dias do concurso deverá

requerê-lo, no prazo determinado em edital, indicando as condições

diferenciadas de que necessita para a realização das provas.



§ 2 o O candidato portador de deficiência que necessitar de tempo

adicional para realização das provas deverá requerê-lo, com

justificativa acompanhada de parecer emitido por especialista da área de

sua deficiência, no prazo estabelecido no edital do concurso.



Art. 41. A pessoa portadora de deficiência, resguardadas as condições

especiais previstas neste Decreto, participará de concurso em igualdade

de condições com os demais candidatos no que concerne:



I - ao conteúdo das provas;



II - à avaliação e aos critérios de aprovação;



III - ao horário e ao local de aplicação das provas; e



IV - à nota mínima exigida para todos os demais candidatos.



Art. 42. A publicação do resultado final do concurso será feita em duas

listas, contendo, a primeira, a pontuação de todos os candidatos,

inclusive a dos portadores de deficiência, e a segunda, somente a

pontuação destes últimos.



Art. 43. O órgão responsável pela realização do concurso terá a

assistência de equipe multiprofissional composta de três profissionais

capacitados e atuantes nas áreas das deficiências em questão, sendo um

deles médico, e três profissionais integrantes da carreira almejada pelo

candidato.



§ 1 o A equipe multiprofissional emitirá parecer observando:



I - as informações prestadas pelo candidato no ato da inscrição;



II - a natureza das atribuições e tarefas essenciais do cargo ou da

função a desempenhar;



III - a viabilidade das condições de acessibilidade e as adequações do

ambiente de trabalho na execução das tarefas;



IV - a possibilidade de uso, pelo candidato, de equipamentos ou outros

meios que habitualmente utilize; e



V - a CID e outros padrões reconhecidos nacional e internacionalmente.



§ 2 o A equipe multiprofissional avaliará a compatibilidade entre as

atribuições do cargo e a deficiência do candidato durante o estágio

probatório.



Art. 44. A análise dos aspectos relativos ao potencial de trabalho do

candidato portador de deficiência obedecerá ao disposto no art. 20 da

Lei n o 8.112, de 11 de dezembro de 1990.



[...]"

Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990

Artigos relacionados ao tema concursos públicos e pessoas com

deficiência, retirados da Lei Nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.



Clique aqui para acessar o texto da Lei Nº 8.112 na íntegra.





"[...]



Art. 5 o São requisitos básicos para investidura em cargo público:



[...]



§ 2 o Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se

inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições

sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais

pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas

no concurso.



[...]"

Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989

Artigos relacionados ao tema trabalho, concursos públicos e pessoas com

deficiência, retirados da Lei Nº 7.853, de 24 de outubro de 1989.



Clique aqui para acessar o texto da Lei Nº 7.853 na íntegra.





"[...]



Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas

portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos,

inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à

previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros

que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar

pessoal, social e econômico.



Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os

órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar,

no âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objetos esta

Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem

prejuízo de outras, as seguintes medidas:



[...]



III - na área da formação profissional e do trabalho:



[...]



c) a promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores

públicos e privado, de pessoas portadoras de deficiência;



d) a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado

de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas

entidades da Administração Pública e do setor privado, e que regulamente

a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de

trabalho, e a situação, nelas, das pessoas portadoras de deficiência;



[...]



Art. 8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa:



[...]



II - obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo

público, por motivos derivados de sua deficiência;



III - negar, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua

deficiência, emprego ou trabalho;



[...]"